A experiência coletiva de ser forçado a sair do Twitter e buscar outros espaços semelhantes tem sido como chegar em outro mundo (seja na perspectiva sci-fi, de viajar para outro planeta, mas pensar isekai também vale). Desembarcando no mundo Bluesky, os refugiados virtuais testam a física desse planeta, buscam recursos para a sua subsistência e planejam o futuro nessa nova terra prometida — ou sonham com o retorno ao planeta de origem, dado como inabitável por muitos. Nesse curto espaço de tempo da acomodação, já houve alguns eventos canônicos que mobilizaram as pessoas a comentar assuntos em comum, como a cadeirada do Datena num coach e a escapulida de partes íntimas de uma artista consagrada da extrema direita no Instagram.
Nesse período de transição de redes, por alguma razão que foge do meu próprio entendimento, estive bastante atento a observar a movimentação de usuários do Bluesky em torno de uma figura específica.
O que é Chico Barney
Chico Barney é uma pessoa normal. Ele tem uma representação gráfica de si mesmo em tamanho real na própria casa, como qualquer pessoa normal teria. Ele se chama “Chico” sem ter “Francisco” no RG, acumula gibis, adora o cantor Belo e cuida de um cachorro chamado “José Carlos Pagode”, que eu acredito ser também o nome que está no RG do Zeca Pagodinho. Para muitos que assistem de longe, ele pode ser apenas uma das entidades que só surgem em época de reality show, como o canal de telegram “Espiadinhas”. A verdade é que ele já está na internet brasileira desde quando as estradas eram chão de terra batida, comunicando-se e desbravando a comunidade de blog no Brasil.
Por ter vivido tempos mais simples da internet e ser hoje uma pessoa influente nas redes, capaz até de ter o seu trabalho menosprezado por Luana Piovani em seus stories, Chico funciona como um híbrido, uma criatura capaz de caminhar tranquilamente tanto pela feira de engajamento que é o Threads quanto pelo outrora bucólico Bluesky sem deixar de ser ele mesmo.
Recentemente, no Bluesky, Chico se propôs a comentar os diversos shows que aconteceram na edição 2024 do Rock in Rio, com transmissão ao vivo pelo canal Multishow.
Pelo seu alcance, desprendimento com possíveis reações às suas palavras e por falta de outra figura que assuma esse alvo na testa, Chico acabou sendo adotado por uma porção considerável de usuários do Bluesky como um Felipe Neto de quem já bloqueou o Felipe Neto.
Espaço menos beligerante
Chico externou desconforto em shows de Katy Perry, Shawn Mendes e Ed Sheeran, inevitavelmente atraindo seus fãs, como se estivesse sangrando em mar cheio de tubarões.
É comum pessoas “civis” estranharem a agressividade quando um indivíduo em condição de fã avista uma crítica ao seu objeto de adoração (artista pop, série de streaming ou livro infanto-juvenil de quase 30 anos atrás). Acima de qualquer julgamento precipitado, é preciso entender que existe uma razão para esse comportamento: a partir do momento em que um mortal fura a ponta do dedo e a encosta no pôster de um artista pop, um contrato de sangue é feito. Após você concretizar esse rito ancestral, o artista pop preenche uma enorme lacuna da sua existência, personalidade e alma, e vocês se tornam um só — pelo menos, por uma só via, a sua, por mais que esse artista diga que não viva sem você para os portais de fofoca. Logo, quando o fav de um fã é atacado, a ressonância dessa violência é impossível de ignorar. Ela é também um ataque direto ao seu seguidor, uma afronta à sua existência, uma ameaça à vida que justifica o contra-ataque desmedido em razão da sua plena sobrevivência.
Por outro lado, é interessante ver como Chico recebe reações contrárias até quando elogia artistas. Ele adora Jota Quest, uma banda que, como todo mundo é obrigado a saber, é consenso que ela é ruim. Assim como é consenso que a canção “Evidências” é um hino não oficial brasileiro que emociona massas, ou que Rodrigo Hilbert é o marido perfeito, ou que o Dinho Ouro Preto é o cara do Norvana, ou que Silvio Santos nunca morrerá. Sendo assim, existe na internet o entendimento de que há um claro desafio ao demonstrar apreço pela banda de Rogério Flausino. Uma verdadeira negação da realidade. Logo, a pessoa só pode estar de deboche.
“É bait, não vou cair”
Mais engraçado do que os comentários do Chico é como a internet ao seu redor tenta lidar com a sua existência. Para evitar equívoco, é bastante comum pessoas dizerem que ele seria alguém sarcástico e irônico, que não deve ser levado a sério. Essa afirmação não deixa de ser verdade, mas é curioso ver que, mesmo que esses adjetivos sirvam para evitar confusão, eles ainda confundem.
Sendo assim, para driblar o constrangimento, sem deixar de interagir com um post que não pediu especificamente a sua opinião, é muito mais seguro assumir que é tudo bait.
Faz alguns anos que existe esse local seguro na internet, o de afirmar que é bait. Mesmo que eu não tenha entendido uma mensagem por falta de qualquer contexto, eu não posso deixar essa minha condição explícita, pois eu poderia estar admitindo publicamente que sou burro. Logo, o movimento a ser feito é o de apontar que é bait, uma clara tentativa do outro (um ser potencialmente hostil) me atrair para uma armadilha e me usar como Dedé Santana de sua sketch em praça pública. Além de eu não cair nesse truque óbvio, fica clara a minha perspicácia em enxergar as reais intenções por trás de um post que desperta atenção e emoções na internet.
O carinho da torcida
Por fim, um dia após o último final de semana de Rock In Rio, Chico estava entre os 5 usuários mais bloqueados no Bluesky nas últimas 24 horas.
Conclusão
Não há conclusão. Mal houve proposta. Estou apenas convidando a observar como internautas reagem em determinadas situações na internet, principalmente nesse momento de transição de redes. Lembra daquela thread, no finado Twitter, que um cara deixou cair paçoca no chão e ficou filmando o progresso das formigas consumindo esse doce? Imagine o Chico como a paçoca e as pessoas respondendo os seus posts como as formigas.
🎵 Já que citei Jota Quest, esse ano, ando escutando com bastante frequência a banda japonesa GREAT3, pop rock “groovadinho”, que tem esse clipe que me lembra um pouco o Jota Quest do início de carreira
Coincidentemente, o frontman Akito Katayose é casado com uma cantora que eu já gostava bastante, a Chocolat. Além de um filho pequeno e fotogênico que protagoniza o Instagram da cantora, os dois geraram também o projeto “Chocolat & Akito”, um duo que eu não aprecio tanto, mas tem esse clipe que eu acho bem fofo
🔗 Outros links:
Vídeo sobre a história de criação do mapa de Counter Strike “de_dust2” (Youtube/inglês)
O tema principal do vídeo é queda de qualidade de animações, mas a observação de mudança de estilos durante as fases do anime Pokemon me chamou mais a atenção (Youtube)
Teaser de “Armados”, um anime latino, eu creio (Youtube/legendas em pt-br)
Trailer da demo de RoboGAL, um Mega Man com cores bem bonitas… é o segundo Mega Man de visual bonitinho que eu mostro na news, não é? Que coisa (Youtube/link para a demo nos comentários)
Episódio de podcast comentando os 40 anos do “Monstro do Pântano” escrito pelo Alan Moore (Spotify)
Gringo comentando sobre samba-rock (Substack/inglês)
HBO anuncia documentário “Os Afro-Sambas: O Brasil de Baden e Vinicius” (Correio do Povo)
Entrevista com o dono da Railander Games (Spotify)
Texto sobre a exibição do Stop Making Sense (Substack)
O último da isabela thomé feat. annavoid sobre desgostar de músicas específicas (Substack)
Essa pessoa meio que decidiu preencher uma “PokeDex” de certos prédios de São Paulo e ilustrou de forma bem simpática num texto (Substack)
Um texto sobre Panco e Seven Boys (Substack)
Bastante lisonjeado em ter sido citado nas recomendações. Também vale um agradecimento que graças a você que descobri o mundinho Chico Barney e estou já há alguns meses fascinado com esse personagem.
Feliz Aniversário, inclusive!
feliz aniversário!