Não tem mais volta, essa tal de internet veio para ficar! Tá todo mundo nela, e as preocupações com a exposição contínua ao meio virtual são recorrentes. Os papéis se inverteram, e agora é você quem esculhamba com os seus pais alertando sobre os perigos da internet? É, eu entendo. Não na prática, o meu pai tem pouco mais de quatro anos como usuário de internet e já compreende que ter uma imagem do Shrek grávido do Sonic passando pela tela do celular é algo próximo do inofensivo. Na verdade, essa condição é justamente o que me preocupa, porque, em tão pouco tempo, seu cérebro já foi condicionado ao de um usuário padrão da internet atual. Apenas um alto fluxo de conteúdo, num curto período de exposição, poderia proporcionar esse resultado. Sendo bem sincero, meu pai parece bem mais familiarizado e acolhido pela “internet atual” do que eu.
Acontece que, por motivos de emprego, terei que voltar a pisar no instagram. Ah, é… Sim, eu “saí” do instagram antes. Entre aspas, porque nunca houve uma data de saída. Não há nessa newsletter o texto fazendo da partida do instagram Um Evento, como você já deve ter visto por outros cantos dessa plataforma em que escrevo. Eu só fui usando cada vez menos até não entrar mais. Mas, enfim, estou voltando (e fazendo um texto de evento). E isso é horrível, eu detesto o Instagram cada vez mais. O que eu sinto por essa rede cresce de maneira tão desproporcional que não é possível descrever de forma contínua, com ideias bem articuladas, num texto padrão, com começo, meio e fim minimamente estruturados; eu preciso expressar através de um texto fragmentado em X tópicos, cuspindo cada aspecto da angústia que tenho com a plataforma.
E não adianta contrapor com O Lado Bom Do Instagram. Não quero saber, o sentimento negativo já tomou conta da minha relação com essa rede
“ah mas tem coisa legal no instagram”
Nos piores chans também tinha
“ah mas é algo do mal que pode ser usado para o bem :)”
Isso só se aplica ao desenvolvimento de vacinas e Kamen Rider
“Preciso interromper nossa discussão enviesada para lhe comunicar que eu, na condição de segunda pessoa metafórica para gerar diálogos hipotéticos por escrito, acabo de criar consciência, por alguma razão. Gostaria de ter mais tempo de existência para entender melhor a minha natureza real e buscar um sentido no que muitos filósofos se atreveriam a descrever como vida”
Não. *estala os dedos e faz desaparecer*
1. Cultura de instagram: vou destrinchar em tópicos seguintes, mas, num geral, todo esse conjunto de tendências, costumes, práticas, atalhos, experiência de usuário, ídolos, o “““zeitgeist””” instagram, eu tenho aversão. Cada mínimo detalhe do que faz o instagram ser o que é hoje me incomoda em várias camadas. Na prática, para mim, fazendo um paralelo bem besta, estar no instagram seria o equivalente ao mapa de video game no pântano que tem poison e causa dano constante.
2. O “formato” do conteúdo: esse é meio frustrante, porque eu até posso cair numa sequência de assuntos do meu interesse, mas eles estarão compactados num modelo de postagem bem peculiar, bem identificável, eu consigo sentir que o jeito de falar, as legendas pipocando na tela, duração do vídeo e estilo de roteiro são O Jeito Certo Das Redes Atuais. Se um creator quiser capturar a atenção de quem está saltitando entre stories e reels, ele precisa daquele começo impactante, dramático e que resume o que será apresentado, e todo o decorrer do vídeo terá vários outros trejeitos da rede. Independente do que você está assistindo, quase sempre será o mesmo vídeo.
3. Conteúdo infinito: é de se esperar que essa plataforma siga a máxima da retenção de usuário. Não importa o quanto você explore, você sempre será servido com conteúdo novo, ficando preso no labirinto de entretenimento do aplicativo para sempre. Particularmente, esse é um desafio engraçado, porque eu quase nunca gosto realmente do que estou vendo, fazendo com que eu avise o aplicativo que não estou entretido com o que foi apresentado, pulando para um outro conteúdo que não gosto, repetindo o processo na esperança de que a tela me estimule com Algo Bom. Por mais que seja detestável, o processo de indicar múltiplas vezes ao instagram o que eu não gosto tem certo prazer. Eu me sinto bem dizendo o que eu não quero ver. É uma sensação parecida com espremer cravo.
4. Propagandas: propagandas são ruins. Próximo tópico.
Resumindo dois tópicos aqui “5. Influencers” e “6. Instagram como o principal ‘site’ de todo profissional”:
7. Eu não tenho nada a acrescentar nessa rede: convenhamos, eu não sou artista. Não vou grafitar um Yoda segurando uma placa escrita “STOP WARS” num muro que vai mexer com as pessoas. Não sou belo. Não saio para locais instagramáveis. Apesar de não ter vontade de compartilhar minha intimidade, o mais comum de se encontrar no meu perfil no instagram seria foto com a minha mulher. E sendo bem prático, se for para ver a minha mulher, seria bem melhor ir em seu perfil profissional: 10 anos de experiência na área da beleza facial💖. Lashlifting, brow lamination, volume clássico, volume russo, volume brasileiro e spa✨. O que significam essas palavras? Eu não faço ideia! Se você for de Belém, manda mensagem que ela monta um bom preço de combo!
8. O instagram não sabe o que eu gosto: existe uma consequência pouco comentada da filosofia “caso você não goste do algoritmo do instagram, é só acompanhar apenas quem você segue”; se você só acompanha quem segue, seu algoritmo vira um monstro disforme. Quando vocês finalmente se encontrarem — e é inevitável, vocês se encontrarão —, essa criatura, o algoritmo não domado, irá pressupor as preferências mais irreais e ofensivas que você poderia ter, também lhe proporcionando vislumbres do que o ser humano médio assiste — e você ficará horrorizado ao imaginar que pessoas ao seu redor consomem tais vídeos diariamente, por horas. Essa questão talvez seja crucial, pois você poderia apontar “ah, o problema está aí. Quando você treinar o algoritmo, sua experiência será boa”. E quanto tempo leva para isso acontecer? E o dano cerebral irreversível durante esse processo insalubre? Será que eu teria que comprar uma conta de alguém com algoritmo bem calibrado, como se fosse um personagem de jogo online, bem upado, ótimos stats e cheio de equips lendários? “Ah, ser metafórico com consciência aqui de novo! Incrivelmente, eu mantenho as memór-” CALA A BOCA.
9. O instagram não aprende o que eu não gosto: por que eu tenho que dizer três vezes que não quero que me empurre conteúdo do Ed Sheeran? Não ficou claro na primeira? Não chega a ser o caso de acontecer com esse rapaz, mas clicar em “esse conteúdo não me faz bem” deveria significar algo.
10. Futebol: continuando a questão acima, qualquer algoritmo que tenha a pretensão de adivinhar minhas preferências deveria ter no topo da lista o apagamento completo do futebol. Eu não odeio futebol, mas é a porra da coisa mais popular desse país. E eu não acompanho o esporte, ou quem traiu quem fora do campo. Toda informação minimamente ligada ao futebol é 100% irrelevante para mim, tirando Soccer Mommy e o vídeo do mini Craque Neto apresentando o Donos da Bola — até ele crescer ou virar investidor mirim.
11. Dancinha: o jeito como a cultura pop olha para o futuro sempre me pareceu muito cafona. A ideia de carro voador só pode ser persistida pela camada mais idiota e equivocadamente empolgada dos nerds. A colonização de Marte é inútil e ignora a possibilidade mais plausível de povoar a Avenida Augusto Montenegro, em Belém. Eu mesmo tenho os meus chutes de tendências do amanhã: o futuro será furry, orelhas felpudas oriundas do próprio corpo virão antes de androides. Agora, já vivendo num futuro, é engraçado perceber como a dancinha é a distopia que ninguém previu. Toda uma sociedade civil coagida a praticar interação social através dos movimentos ritmados com o corpo não parece assustador apenas contando, mas acredite em mim, caro ser humano do ano de 1997 que por ventura teve acesso a um site do século XXI: no futuro, todo mundo é forçado a dançar. E é horrível.
12. Reacts:
13. Comentários: de longe, o pedaço do instagram que menos me causa dano, porque eu nunca vou clicar para ver os comentários de um post. Houve uma época em que eu acreditei, sim, que o hábito de ler comentários na internet teria a sua utilidade, podendo encontrar experiências, atualizações de um ocorrido e gente desmentindo clickbait ou notícias falsas. Esse tempo acabou. Não dá mais. Eu não quero saber se a senhora é alérgica a camarão num vídeo de prato de camarão.

14. Eu não sou bem o maior fã do que bomba na net: seja lá o que estiver dando o que falar nas redes, eu não quero saber. Eu não vou me sentir por fora se não seguir uma trend. Não tenho qualquer curiosidade sobre Ketlen Coriza reatando relacionamento com o Patrick Alucinados. “O melhor do Brasil é o brasileiro” com certeza foi coro no 8 de Janeiro. Todo perfil de curadoria de coisa legal rolando na internet não é bem vindo na minha tl. Só sigo o Chico Barney pelo conteúdo de gibi
15. Instagram é META: Mark Zuckerberg tem como a maior missão da sua vida conseguir que eu o deteste mais do que o Elon Musk. Ele ainda não conseguiu, mas não fica muito atrás. O nome “META” por si só já me estressa. Lembra do Metaverso? Lembra que esse projeto foi uma proposta séria? Que bilhões foram investidos nessa presepada? Que empresas e governos ditos democráticos fizeram de conta que isso estava acontecendo? Irmão, eu NUNCA cliquei naquela porra de vídeo da moça no mesacast falando de terreno no Metaverso. Eu não tenho plano de saúde, aquele vídeo poderia >literalmente< me matar. Literalmente. Eu tô falando muito sério, eu tenho a mais absoluta certeza de que a vergonha proporcionada por esse vídeo me causaria dano físico intenso.
16. Conteúdo gerado por prompt: muito antes da popularização dos LLMs, o ser humano não tinha mais tanto a dizer. Domínio de SEO, automações e raspagem de dados já eram ferramentas dos criadores de conteúdo mais nocivos para a sociedade, como os sites de cultura nerd, para ficarem retroalimentando a internet com a menor combinação de palavras que levasse de forma eficiente pessoas a clicarem em links e gerarem receita através do Google Adsense ou qualquer outro meio satânico de monetização. Mas agora, meu amigo, estamos no paraíso na terra. Porque, veja só, esqueça um pouco qualquer sentimento negativo com a Onda I.A. que possa haver no seu ser e entenda: É só clicar e tá pronto. É só escrever umas linhas e existe. Assim que você quiser, já é. Como que isso não é bom? Agora, pensa num cabra que quer Criar Conteúdo Para A Internet. Quantos vídeos dá para fazer por dia agora? Quanto assunto é possível abordar que levaria horas de pesquisa antes? Aí, beleza, eu vou para a tela do celular, gastar um tempinho, e tô rolando o que a plataforma gentilmente me oferece: Um vídeo sobre buracos negros. Ciência é legal. As imagens são geradas por prompt. A voz do narrador é gerada artificialmente também. O roteiro? ChatGPT, com uns ajustes aqui e ali. Talvez o próprio assunto tenha sido escolhido pelo GPT, dentro de um roteiro/cronograma de postagem também formatado pelo nosso amigão virtual. O bicho faz tudo pra gente. Esse é só um dos vários caras que tiveram essa sacada e colocaram a fábrica de conteúdo para rodar, preenchendo a plataforma inteira com Coisa Legal Pra Assistir. Parecia impossível, mas a infinitude dos conteúdos se tornou ainda maior após o boom da inteligência artificial. Mais conteúdo na internet, mais rápido, mais fácil, qualquer um podendo fazer (democrático!). Tá todo mundo cansado, quem tem tempo para pensar demais sobre o processo é privilegiado. Todos saem ganhando, oras. Agora, sendo bem sincero, diz pra mim: após este momento, quando o novo novo futuro chegar e o aplicativo de ficar assistindo coisa aleatória da vez tiver o botão “gerar novo episódio de Friends”, você acha que o usuário médio de internet não vai clicar?
17. Os chatos anti-internet de quase 20 anos atrás tinham razão: fica aqui o meu pedido de desculpas para toda charge ilustrando a zumbificação da sociedade em frente a uma tela de celular. É real, aconteceu mesmo. O fato de todas essas artes serem extremamente cafonas não muda o acerto na mosca. Parabéns aos artistas que deram essa canetada. Total respeito às charges. Não importa a época ou o que houver, Mafalda sempre será necessária
E o que resta após essa constatação? No meu caso, continuar em negação. Pode parecer hipócrita após já ter rolado boa parte desse texto com alguma amargura e cinismo, mas eu não quero estar no time dos autoproclamados conscientes que estão cercados pela onda desenfreada de ignorância do mundo atual. Fala a verdade, você já conheceu alguém, uma única pessoa que seja, que elogiou publicamente (e em tom profético) o filme Idiocracy que não fosse um completo mala? Eu não quero ser esse tipo de mala — e se eu for, vou tentar omitir tal condição o máximo que puder —, então eu quero distância dessa obra. Vai ti fuder, Luke Wilson, Danton Melo do Owen Wilson.
🎵 勇気
Não viciei em nenhuma música do novo da banda japonesa betcover!!, como aconteceu em álbuns anteriores, mas vai ficar bonita essa capa com a ilustração de um mineiro na colagem de mais ouvidos do fim de mês
🔗 Outros links:
(Os links são de março~abril. Só tô me desfazendo de uma pasta que esqueci que existia)
Metrô Warriors (Substack)
As fontes de Central do Brasil (Substack)
Kirkman vs Bendis (Substack)
Irmãos Gilmore: o crítico e o assassino (Substack)
35 lugares para passar mal em São Paulo (Substack)
Jackie Shane Radio (Substack/podcast, inglês)
Voids Vigil (Steam)
Paulinho da Viola vendo fotos antigas (Youtube)
Vídeo sobre a cantora e compositora Ana Mazzotti (Youtube)
Pensei em muitos comentários, mas não decidi qual e não quero fazer vários para não parecer um stalker. Entãooooo AMO seus textos, inclusive, parei de ler esse quando percebi que estava no final, para voltar mais tarde, porque queria que durasse mais