Nesse quadro, eu abordo um conhecido da minha internet com 20 perguntas rápidas. Por mais que seja como um caderninho de perguntas da Pâmela do 6º ano B, as perguntas são pensadas para cada pessoa. Mas você também pode respondê-las mentalmente enquanto lê. Era o que eu fazia quando lia quadro de pergunta de famosos naquelas revistas Quem ou Tititi.
Já participaram: Samuel Hynx, Natália Zilio e Mario Caruso
🚨GRAVE🚨
Chegamos à quarta edição do Não Tenho Gato ☆ Perguntas, um quadro que, com certeza, terá um número limitado à quantidade de pessoas na internet que eu tenho mínima intimidade para trocar esse papo. É claro, nada impede que eu atire para todo lado e tente falar com pessoas famosas até alguém de espírito desprendido topar. Consigo ver Zeca Camargo sendo um próximo entrevistado, apesar de ele nunca ter respondido minha direct no instagram perguntando quais sons japoneses ele curte.
E falando em Japão (esse link realmente veio do nada), o convidado do dia não tem como fugir de conversas sobre o que vem de lá:
Yuri Petnys, o Arara, é pai, trabalhou e participou da ascensão do serviço de streaming de animes Crunchyroll, foi integrante do Quack! Club de Jogos, tem um cachorro daqueles de meme que você compartilha e inventou de ser entusiasta de xadrez nos últimos anos.
Lembro que uma das primeiras interações que tive com o Arara foi numa véspera de natal, quando ele disse que daria um jogo para alguém aleatório da tl por conta da data, e eu recebi dele o Momodora: Reverie Under the Moonlight.
Também gosto essa definição que ele fez da minha pessoa online:
1. Você conseguiria apontar a coisa, evento ou mesmo pessoa que te puxou para a cultura japonesa, buraco em que você está enfiado até hoje?
Arara: Meu contato com cultura japonesa sempre foi bem regular pros padrões de moleque brasileiro, assistir anime na TV, jogar Chrono Tráiguer, pegar uns VHS emprestados, etc. Acho que o ponto de mudança na minha vida foi no cursinho, em 2005. Um cara chamado Leivan descobriu que eu gostava de anime e me emprestou um DVD com “coisas”. Essas coisas incluiam uns curtas ruins de Gundam, outras coisas que não me lembro, e um único episódio solto de Hokuto no Ken - o episódio 48, especificamente - legendado em francês. Pra quem não conhece a série, é o episódio em que dois mestres das artes marciais se trombam — um fortão e lento, outro mais ágil e fraco — e pra compensar a agilidade do mais fraco, o fortão pisa no pé dele e prende ambos no chão com uma adaga sai. Esta cena:
Esta cena me marcou demais. Subitamente eu fiquei interessado em:
saber o resto da história
saber o COMEÇO da história
entender o que era fansub
descobrir que outros animes fodidos assim nunca chegaram no Brasil
E daí pra frente o resto é história.
2. Qual foi a última pirateada que você deu?
Arara: Tirando a rápida pirateada pra tirar a screenshot acima, eu baixei a primeira temporada de Early Edition (que passou na TV brasileira como Edição de Amanhã) pra ver se era tão bom quanto antigamente. É sobre um cara que recebe o jornal do dia seguinte, e percebe que tem o dever moral de evitar acidentes e injustiças que viram manchete. Seus únicos dois amigos são uma moça cega e um operador da bolsa de valores calvo. É excelente.
3. Tem algum registro notório seu ou que você gravou em algum momento da vida que seria lost media hoje?
Arara: Eu sou recordista mundial de speedrun de Crowtel: Renovations, mas o vídeo desse recorde se perdeu quando meu canal de YouTube foi fechado porque eu abusei um pouco demais da boa vontade dos detentores japoneses de copyright.
4. Como você vê, atualmente e daqui para frente, o interesse do uso de I.A. em dublagens, a reação do público com o que já foi apresentado, a organização dos profissionais afetados para defenderem o seu ofício e como as plataformas de distribuição olham para tudo isso e tomam suas decisões?
Arara: Além da qualidade do resultado ser indubitavelmente melhor, existem outras vantagens de se contratar dubladores profissionais contra a IA. Dubladores profissionais famosos conferem star power para o projeto (mesmo se não forem atores globais); dubladores profissionais servem como um proxy da voz oficial da produção de um seriado ou anime, e podem representar a marca em eventos e em conteúdo de marketing; dubladores profissionais são capazes de enxergar e interpretar personagens de maneiras não-óbvias e criativas, enquanto a IA por design sempre vai para o meio comum, a média de toda a soma.
Tem um hype grande em torno de IA recentemente, mas o mercado inteiro sabe que a bolha é insustentável — o produto está sendo oferecido de graça mas custa trilhões de dólares em R&D e em infra. Eventualmente o projeto vai colapsar, os custos vão decolar, e eu não tenho certeza se vai continuar sendo mais barato jogar na IA ou contratar uma pessoa normal.
Mas é claro que empresas mão-de-vaca vão continuar sendo mão-de-vaca. Isso não há santo que resolva.
5. Qual foi a última coisa que você consertou sozinho?
Arara: Vou trapacear um pouquinho, porque a coisa que estou consertando sozinho neste momento é mais legal: estou tirando o pó do meu diploma de engenheiro elétrico e reprojetando o circuito da vitrolinha que minha esposa herdou. O esquemático já está pronto:
6. Qual é o sentimento que move um ser humano para que ele participe de um fansub?
Arara: Eu identifico quatro sentimentos:
O amor ao anime (“Eu amo este anime e quero que mais gente o assista”)
O desafio técnico (“Como traduzir tal coisa? Como fazer tal efeito? Como comprimir a imagem da melhor maneira?”)
A “empáfia” (“eu tenho o melhor fansub, eu lanço esta série antes de todo mundo, nós temos a melhor tradução, nós temos os melhores efeitos, nós temos o melhor bom gosto”)
E em raros casos, o dinheiro (“vou botar no meu site primeiro e encher de ads”)
7. Algo que você emprestou, nunca te devolveram e você sente muita falta
R: Honestamente, não sei dizer. Eu tenho memória ruim e um grande desapego a coisas materiais em geral. Só pra não deixar em branco, eu tenho a impressão de que eu emprestei um cartucho de GBA pra alguém em algum momento e a pessoa nunca me devolveu. Sinto falta porque eu queria muito saber que jogo era.
8. Desde o evento que foi “Dragon Ball Super: Broly” (corrija-me se houve um ponto mais marcante), a gente tem visto cada vez mais animes no cinema BR. O que mudou para que longas de anime fossem mais frequentes nas nossas salas de cinema e como a cultura de acompanhar mangá e anime serializado influencia na vinda ou não de um filme através dos vários agentes envolvidos (detentora original da obra, distribuidora, exibidores, etc) para que isso ocorra?
R: “DBS: Broly” foi um filme forte, mas foi um ponto isolado — a franquia DBZ é forte o bastante pra ser considerada separadamente dos “filmes de anime” em geral. A grande guinada da distribuição de filmes de anime no Brasil foi o ano de 2022, quando “One Piece Film: Red” e “JUJUTSU KAISEN 0” mostraram pros exibidores que havia potencial de mercado fora das franquias clássicas (Cavaleiros, Pokémon, Dragon Ball). 2022 foi um reflexo da onda de popularidade dos animes que começou com a era do streaming e com empresas como Crunchyroll, Funimation, e BiliBili, que foram abrindo mercado e provando o potencial. Graças ao streaming, desde 2017 em torno de 40-50% do faturamento da indústria japonesa de anime vem de mercados estrangeiros. As distribuidoras sabiam do potencial desde sempre, pois apostavam no material; os bons resultados no streaming convenceram os licenciantes japoneses; restou só combinar com os exibidores. Como a Sony havia comprado a Crunchyroll em dezembro de 2020, eles tinham a força do grupo Sony Pictures pra fazer lobby e convencer os exibidores a apostar no título. Deu certo.
9. Um mangá recente que te surpreendeu
Arara: “Ghost Fixers” é um mangá do Manga PLUS, pelo mesmo autor de “Summer Time Render”. Ele mistura a estética de mangá, a lógica de um shonen de batalha (com poderes bizarros e bem específicos sendo usados de maneiras criativas pra resolver desafios), e um enredo tirado especificamente da Fundação SCP. Inclusive, quando o autor quer fazer uma pausa semanal, ele simplesmente publica um artigo SCP inteiro no lugar do capítulo, e todo mundo acha isso o máximo. Super recomendo para fãs de Control.
10. Uma comida específica que você só come em um lugar específico
Arara: Tem um doce chamado “charlotte” que tem umas 8 receitas diferentes circulando pela internet. Eu só conheço um restaurante que faz ele — e ele faz de uma nona maneira bem distinta das outras 8. Como ele sempre que vou nessa cantina, e nunca como ele em nenhum outro lugar. Achei uma foto no Facebook deles:
11. Um take errado que você vê circulando pela timeline que você gosta bastante
Arara: “Se eu assinar todos os serviços de streaming atuais, eu vou ter que pagar 400 reais por mês”. Bicho, por que você tem que assinar tudo? Você tem que assistir tudo ao mesmo tempo? Tem que estar em todas as conversas? Tua rotina diária é pautada de acordo com o conteúdo produzido em Hollywood? Você chama isso de vida?
Evite o FOMO, assine um serviço de coração e vá assinando e cancelando os outros à medida que for precisando. Assinatura de serviço de streaming ganha dinheiro com a tua preguiça de cancelar.
12. Seu último vacilo
Arara: Eu esqueci de consertar o aquecedor da banheira que queimou uns seis meses atrás, e agora chegou o inverno e o Niko (filho) não pode ficar morgando num banho quentinho.
13. A abertura e encerramento que você mais gosta de animes que você nunca viu
Arara: Se a pergunta fosse de tokusatsu, eu teria uma lista de umas 10 músicas diferentes.
Para encerramento, eu escolho VOODOO KINGDOM, do Soul’d Out, porque é de um anime que eu nunca vi, e o mundo inteiro também não — esta música toca nos créditos do famigerado longa-metragem “JoJo’s Bizarre Adventure: Phantom Blood”, de 2007. Diz a lenda que Hirohiko Araki foi assistir ao filme na estreia dos cinemas, achou uma grande porcaria e proibiu que fosse distribuído em mídia física e em streaming, virando efetivamente lost media.
Abertura… Eu vou com uma escolha meio óbvia, mas “Kawaki wo Ameku” da Minami tem uma interpretação angustiante e dramática que conquista qualquer um, e ao mesmo tempo eu acho que tenho zero interesse em assistir Domestic Girlfriend. Ver minha timeline surtando na época do simulcast foi mais divertido.
14. Qual foi o vídeo mais longo que você assistiu ultimamente no youtube?
Arara: A Mikannn fez um vídeo de 1:40:00 resumindo em detalhes (e com props) toda a primeira temporada de A Casa do Dragão e foi essencial para eu relembrar do que estava rolando a tempo de assistir à segunda temporada. Está tecnicamente empatado com este vídeo de 1:40:00 do Cathode Ray Dude estudando e explicando a história dos scanners.
15. Qual é o seu medo mais constante como pai?
Arara: Rapaz… Meu grande medo é não oferecer as circunstâncias necessárias para que o Niko possa achar um caminho pra própria felicidade. Algo assim.
16. Como seria a sua fursona?
Arara:
17. Qual foi o evento mais desorganizado que você já foi?
Arara: A UCCONX é de longe a maior catástrofe que eu já presenciei. Fica aqui o meu relato.
18. Quais dicas você daria para alguém que tem interesse em entrar no mundinho xadrez do zero, seja jogo prático ou acompanhar partidas e competições?
Arara:
Crie uma conta no chess.com
Assista a este vídeo do Grande Mestre Igor Smirnov (russo) com todas as dicas básicas pra você não ficar completamente perdido no começo: Learn to Play Chess Openings: The Ultimate Beginner’s Guide
Assista a alguns vídeos desta playlist do Grande Mestre Krikor Mekhitarian (brasileiro) onde ele começa com uma conta de 200 de rating e vai jogando contra pessoas de níveis variados, analisando as posições e dando dicas progressivas: Sleeprun! O guia para iniciantes no xadrez - #01
Jogue umas vinte partidas em ritmo de 10 minutos no chess.com contra aleatorios e veja se você gosta da coisa
Se gostar:
Escolha um YouTuber famoso pra acompanhar (GothamChess, Hikaru Nakamura, Daniel Naroditsky ou GM Krikor são boas opções) e manter contato com o assunto
Faça puzzles diariamente no chess.com ou no lichess para afiar o pensamento tático
Encontre amigos para jogar contigo - o clube de xadrez do Quack! Clube de Jogos está sempre aberto!
19. Para você, o que seria um Vasco da Gama Beat?
Arara: Vasco da Gama é o navegador português que criou novos caminhos marítimos entre Portugal e Índia, então uma BATIDA VASCODAGAMESCA deveria unir a música desses dois povos. Eu penso numa batida bem marcada como as das produções de Bollywood, mas misturada com algo bem português como o fado. Algo tipo assim.
20. Qual pergunta eu não fiz que você gostaria que eu tivesse feito?
Arara: “Mas e o cuore? Conta mais do cuore”
☆ Deixe um recado para quem está lendo
Arara: Espero que ler esta entrevista tenha sido tão divertido quanto foi respondê-la! Obrigado ao Reck pela oportunidade, e vocês podem me encontrar no Twitter (e Bluesky) se quiserem jogar uma partida de xadrez ou falar de estatísticas de filminhos de anime. E assinem a newsletter do Não Tenho Gato!
(Como complemento, fica aqui também a participação do Arara no AkibaCast, onde ele se aprofunda mais em mercado de animação e serviços de streaming)
🎵 Novo do Shugo Tokumaru!
Multi-instrumentista japonês, faz um “folk pop” com ruído de ambiente, som de sandália estralando, voz de amigo imaginário e bola de ping-pong quicando. Quem curtia as trilhas sonoras dos programas da TV Cultura nos anos 90 ou dá valor nos “Música de Brinquedo” do Pato Fu provavelmente vai adorar a discografia dele. Tem essa apresentação em estúdio que capta bem a vibe que ele passa:
🔗 Outros links:
O júri da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) lançou uma lista com os 25 melhores álbuns nacionais do primeiro semestre de 2024 (matéria / playlist no Spotify)
E dentre os álbuns selecionados da lista acima, a banda brasileira Black Pantera apresenta uma música inspirada em Jujutsu Kaisen (Spotify)
O mangaká que estava fazendo um quadrinho inspirado na favela brasileira (e levantou discussões sobre consumo do quadrinho nacional) disponibilizou o seu primeiro capítulo traduzido para PT-BR (twitter)
Num EP britânico de 1993, havia uma faixa chamada “Otaku” (Youtube/inglês)
Um café com a temática “Cardcaptor Sakura” irá inaugurar em São Paulo (matéria)
Trailer do novo anime de Ranma 1/2, pela MAPPA (Youtube)
Finalmente saiu Fallen Leaf, joguinho indie 2D, meio Megaman. Você pode passear pelo Artists' Alley de uma convenção nerd e fortalecer a cena independente até na ficção (Steam)
Vídeo sobre os bastidores do quadrinho do Sonic da Archie Comics (Youtube/inglês)
O tamanho da fonte e a hierarquia nos pôsteres dos festivais de música (Substack)