#38 Sorriso Negativo
No episódio dessa semana: Bad Boy e a tier list de sinais com as mãos da política
Lendo a última newsletter Venho Por Meio Deste, comentando, dentre muitos assuntos, sobre o icônico Calvin urinando, ela acabou citando também o Bad Boy, um personagem que fazia parte dessa fauna de ídolos populares do final do século XX, como o Baby da Família Dinossauro, o Bart Simpson mostrando a bunda e tantos outros que habitavam adesivos, essa incrível cultura de fácil manifestação de gostos pessoais em espaço físico.
O Bad boy, em especial, foi o meu favorito. Por motivos. Não sei se eles ficarão claros nas palavrinhas abaixo.
Quem é o Bad Boy?
Eu não vou explicar. Ninguém nunca me explicou.
Mas, tentando situar de alguma forma, já que é preciso, consigo voltar a um momento da juventude em que eu ainda não estava BadBoyzado. Eu, na casa da minha bisavó, esperando ir para a aula no ensino fundamental, sou abordado por um primo1 um pouco mais velho. Ele me mostra um adesivo do Bad Boy. Design econômico, de traços duros, exibindo um único braço firme contendo braçadeira de espinhos. Ele perguntou se eu queria aquele adesivo, e essa interação é engraçada, porque, tal como o “quem quer dinheiro?” do recém finado Silvio Santos, é uma pergunta impossível de você escolher a negação.

O que é Bad Boy?
O Bad Boy é o que ele é. Você escuta o nome “Bad Boy” e vê o Bad Boy, você já entende. Ele é legal e estiloso. Ele é brabo. Ele é o melhor. Ponto. Não há margem para um desvio da absoluta certeza de sua fodacidade. É como observar um fenômeno da natureza e ter a completa convicção de que, por trás do véu de modelos científicos que possam dissecar e explicar o que está acontecendo, aquilo é obra de Deus.
De fato, Bad Boy foi uma forte manifestação do coletivo masculino juvenil brasileiro em determinada época. Estando em adesivos, cadernos, blusas, bermudas e paredes pichadas, a mente dos garotos nos anos 90 ficava impregnada com aquele olhar malvado e sorriso negativo. Esse rosto, por ser tão fácil de desenhar, infestava espaços públicos através de paredes e carteiras riscadas, infectando outros garotos com a sua iconografia e aumentando a sua presença no imaginário popular.
Por que Bad Boy?
A marca surgiu na década de 80, nos Estados Unidos, voltada para o público do surf e skate. No começo dos anos 90, juntou-se ao Jiu-Jitsu brasileiro (e às artes marciais mistas logo em seguida) e fez carreira no nosso país. Bad Boy era fácil de entender, gostar, desenhar e de atribuir valor. Uma Hello Kitty só para meninos. Inclusive, surgiria a Sexy Machine pouco tempo depois, uma espécie de Bad Boy para as garotas.
Na minha experiência pessoal, ter algum apreço por esse boneco foi uma das primeiras vezes que tive o sentimento de pertencer a um grupo por meio de um objeto de gosto comum. Mais do que isso, era um estado de normalidade, de pensar “não tem coisa mais natural do que achar o Bad Boy brabo, já que é assim que todos os garotos do meu meio se comportam”. Sinto que é o mais próximo que eu passei de cair em seita.

O sucesso do Bad Boy foi simples e lógico à sua maneira. Se você tem uma bermuda, e quer que ela fique melhor, é só imaginá-la com a cara do Bad Boy. Caderno? Se tiver o Bad Boy na capa, é do bom. O Bad Boy só apresentava complexidade quando confrontado com ele mesmo.
Qual Bad Boy é o melhor?
Essa pergunta era um dos poucos conflitos no culto ao Bad Boy. Existiram vários designs de Bad Boy, e muitas vezes havia dissenso no seu grupo de amigos sobre qual era o melhor. Com o passar do tempo, o Bad Boy foi evoluindo ainda mais, ganhando características e expandindo o lore. Os cadernos apresentavam um Bad Boy mais detalhado, de corpo completo, com cores e gostos. Ele não era mais apenas O Foda, ele era ilustrado em capas e estampas como sendo foda numa série de atividades específicas. Foda no Jiu-Jitsu, na capoeira, no surf, no futebol e em atrair mulheres. A “Barbie” dos garotos.


Eu, particularmente, não gostava tanto desse Bad Boy desenvolvido. Sempre fui um profundo admirador da versão de um só braço dos adesivos, que remete ao Guile de Street Fighter e até ao símbolo da Nike (na curva do braço), que seria o símbolo que substituiria a obsessão por Bad Boy poucos anos depois, junto à fixação de desenhar o padrão de cabelo e músculos de pescoço do Goku.
Quem é o Bad Boy dos dias atuais?
É difícil imaginar algo tão parecido com o Bad Boy nos últimos anos, com a internet, essa selva de cabos jorrando informação que deixa tudo muito mais intenso do que um imaginário de outrora, que navegava por adesivos e pichos na parede. Anos atrás, poderia traçar paralelos com diversos memes, como o Pepe e o Trollface/Coolface. Mais recentemente, uma experiência vagamente semelhante seria a do CHAD (principalmente o Yes Chad, mas também aquele Chad sacudo ou o Chad homem real de rosto quadrado). Quando você quer apontar que algo é FODA hoje, usa-se a imagem do Chad. Mas uma coisa me deixa encucado com o Chad. De forma geral, ele deve existir através de uma lógica de dualidade, às vezes ponto e contraponto. Ele, o Chad, é resultado de uma sociedade que interagiu tanto, de forma tão intensa, que criou os meios mais babaquinhas de expressar seus pensamentos em comunidade. O Chad é foda, mas ele constantemente tem que ser foda em comparação ao virgin, ao soyjak, à feia de cabelo colorido ou ao boneco deformado. Levando em conta esse ponto, fica muito difícil a comparação com o Bad Boy. Ele não tinha isso. O Bad Boy não precisava ter o seu antagonista explicitamente loser para ser cool. Ele era foda por si só. E eu sei, fica contraditória afirmar que o Chad (nutella) é o virgin do Bad Boy (raiz). Mas quem está fazendo esse paralelo estúpido sou eu. Não vamos fugir da lógica, o Bad Boy é foda e ponto.
✌️ O candidato coach da eleição para prefeito de São Paulo é, assim como tantas outras figuras que a minha TL traz, um sujeito que não escolhi conhecer e que vou evitar até ser impossível, como no caso de ele se tornar presidente da república. Agora, não tem como eu fugir de uma questão fundamental: pelo que vejo de longe, ele tem como slogan o “faz o M”, um claro deboche ao “faz o L”. Tudo bem, como deboche, deve funcionar. O próprio “faz o L” já virou um deboche na meia-noite de 1º de janeiro de 2023. Mas o quão PRÁTICO é fazer o M? As pessoas do ônibus lotado metafórico estão desmunhecando com 3 dedos para baixo também? Porque, preste bem atenção que o assunto aqui é sério, vamos ao metagame de sinais de mão, fazer a arminha funciona muito bem; é simples, poderoso, performático e já é um gesto marcado no imaginário popular. O “faz o L” não fica muito atrás, sendo igualmente simples e tendo a sacada “paz & amor” de surgir do “fazer a arminha” quando você gira seus dois dedos em direções opostas. Agora, pensando numa tier list do alfabeto com as mãos — e eu não estou falando aqui de Libras, que é uma língua própria —, o quão potente é “fazer o M”?



Perdão por ser mais um não-paulista se metendo na eleição caótica de vocês, mas essa questão específica me pega demais por eu ser de Belém, Pará, terra das aparelhagens. Crescemos fazendo “S” de Super Pop, o “T” de Tupinambá e a pedra do Rubi. Fazer símbolos com as mãos é cultura essencial daqui e é levada muito a sério. Então, por favor, se possível, produzam sinais funcionais.
🔗 Outros links:
Vídeo falando sobre a banda japonesa de baguncinha music Midori (Youtube/inglês)
Podcast VFSM (leio sempre Vai Se Fuder Música, mesmo não sendo essa a ordem exata da sigla) conversa com a galerinha por trás do álbum “Maria Esmeralda” (Spotify)
Podcast AoQuadrado comentando o já consagrado mangá de Dungeon Meshi (Spotify)
Guilherme Alves, meu colega de internet, talvez o seu também, expressou-se através de sons subdivididos em faixas, e eu gostei (Spotify)
Sobre o Homem Pipa e as HQ’s de super-herói enquanto histórias de criação coletiva (Substack)
Um texto sobre gostar de Supla, eu creio (Substack)
Ficamos por aqui. Não era para ter newsletter tão cedo. As palavras foram surgindo numa caminhada indo comprar pão e bateu aquele sentimento de que eu precisava registrar para não se perder. Eu vou ser sincero, é um sentimento desagradável. Digo, escrever é bom, mas se sentir na obrigação de escrever não é. Postar esse texto é como espremer uma espinha, o que faz de você, que está lendo, uma daquelas pessoas que assistem vídeo de cravo sendo retirado. E isso não é ruim, acredite, porque as pessoas mais normais que eu conheço adoram assistir vídeo de espinha e cravo sendo espremidos.
Essa é a primeira vez que uso footnote aqui (e nem é da forma ideal, veja só) porque tem uma informação idiota que não consegui enfiar no texto. Esse primo que citei era de um trio de irmãos. O Preto (pois era de pele preta), o Branco (pois muito branco) e o mais novo, o Júnior (não era tão preto quanto o Preto, nem chegava a ser branco como o Branco, e não lembro se tinha o mesmo nome do pai). Por boa parte da minha infância, fiquei com a lógica de melanina desse trio na cabeça e computava no cérebro que pessoas pardas tinham a cor de pele “Júnior”.